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Dores musculares significam que o treino foi eficaz?

A crença de que o exercício físico só é eficaz se provocar dores musculares nas horas ou nos dias que se seguem ao treino é generalizada. Mas será mesmo assim?

22 Dez 2022 - 09:04

Dores musculares significam que o treino foi eficaz?

A crença de que o exercício físico só é eficaz se provocar dores musculares nas horas ou nos dias que se seguem ao treino é generalizada. Mas será mesmo assim?

A prática de exercício físico regular é uma das melhores formas de prevenir o aparecimento de doenças, sendo recomendada pela Organização Mundial de Saúde, apesar das desconfortáveis dores musculares que, por vezes, surgem horas depois do treino. Este desconforto no corpo pode durar alguns dias e muitos consideram-no um indicador de que a atividade física teve bons resultados. Mas serão as dores musculares um sinal de que o treino foi eficaz?

É verdade que as dores musculares são sinal de um treino eficaz?

dores musculares

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Para Miguel Gomes, professor assistente convidado da Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa, “a ideia de que só sentindo dores musculares após o exercício físico – seja sobre a sua forma mais cardiorrespiratória ou de treino de força –, é que se está a treinar eficazmente e a gerar algum tipo de adaptação tem sido muito expandida nas redes sociais, mas não é verdade”.

O professor de Anatomia e Cinesiologia e membro do Laboratório de Função Neuromuscular sustenta a sua afirmação com base no conhecimento difundido na literatura científica da área, explicando que o aparecimento de dores musculares – ou Delayed Onset Muscle Soreness (DOMS), como é caracterizado cientificamente este fenómeno – “é, no fundo, resultado de algum exercício a que o praticante possa não estar habituado ou que, mesmo treinado, seja sujeito a uma maior sobrecarga a nível excêntrico”, sendo que “este tipo de tarefas têm sido indicadas como as que geram maiores níveis de dores musculares pós-exercício”, elucida.

De facto, o artigo de revisão Is Postexercise Muscle Soreness a Valid Indicator of Muscular Adaptations? corrobora que a “DOMS é uma ocorrência comum em resposta a atividade física não familiar ou vigorosa” e que “alguns músculos parecem ser mais propensos a DOMS do que outros, e parece haver uma componente genética que faz com que certos indivíduos experimentem uma dor persistente, enquanto outros raramente ficam doridos de todo”. 

Miguel Gomes nota ainda que estas dores musculares dependem de vários fatores que não se encontram completamente claros na literatura existente. 

Parece haver vários fatores que concorrem para o aparecimento destas dores. Sejam eles de cariz bioquímico, como o aparecimento de metabólitos resultantes dos processos de contração muscular e aparecimento de fadiga durante o treino, seja através de pequenos danos na estrutura ou na microestrutura muscular ou nos tecidos conjuntivos envolventes às estruturas musculares”, continua. 

No artigo de revisão acima referido, é ainda suportado que “altos níveis de dor devem ser considerados prejudiciais porque é um sinal de que se excedeu a capacidade de o músculo se reparar eficazmente”, sendo que “dor excessiva pode impedir a capacidade de treinar de forma ótima e diminuir a motivação”, argumenta-se. 

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Ainda que determinadas cargas de exercício despertem processos que geram dores, também irão criar adaptação. Miguel Gomes explica que as dores musculares, que normalmente surgem ao fim de entre oito a 24 horas depois do exercício, estão sujeitas ao fenómeno da repetição do treino.

“Se repetirmos o treino, vamos estando sujeitos a cada vez menos dores. Mas mesmo pessoas treinadas, quando variam uma tarefa, podem estar mais sujeitas ao aparecimento de dores, sendo que a adaptação vai minimizar esse aparecimento de dores”, desenvolve o académico.

No entanto, sublinha, um atleta ou um praticante de atividade física que esteja constantemente à procura de um estilo de exercício que induz dor pensando que está a treinar melhor, “está no fundo a perder vários dias de treino”, diz. 

Outro fator a ter em conta, aponta Miguel Gomes,  é que “o facto de se procurar estímulos que induzem dor, fazem com que se incorra no risco de entrar por caminhos mais patológicos”. A rabdomiólise, uma condição provocada pelo elevado dano muscular que requer tratamento médico, tem sido várias vezes diagnosticada em pessoas que recorrem a exercício físico extenuante de forma repetitiva.

Assim sendo, e tal como advoga o artigo de revisão Is Postexercise Muscle Soreness a Valid Indicator of Muscular Adaptations?, “a aplicabilidade da DOMS na avaliação da qualidade do treino é inerentemente limitada, pelo que não deve ser utilizado como um indicador definitivo de resultados”.

E qual o papel do ácido lático?

dores musculares

Se num primeiro momento das investigações sobre este tema se acreditava que o ácido lático seria o principal causador de fadiga a curto prazo e de dores musculares, agora percebeu-se que a produção de ácido lático, uma consequência natural decorrente da prática de esforços de grande intensidade, “não é de todo o mau da fita”, esclarece Miguel Gomes.

Tratando-se de um reflexo do que acontece em termos energéticos nos músculos, o ácido lático não é responsável pelas dores musculares, explica o professor, acrescentando que são “outras as substâncias responsáveis por provocar uma acidose a nível muscular e essas, sim, conseguem ter capacidade para desencadear nos receptores uma informação cerebral de que que se está a sentir dor”. 

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No fundo, metaforiza, o “ácido lático funciona com a mesma lógica de que em dias de chuva usamos chapéus de chuva. O ácido lático, sendo o chapéu, indica-nos que chove, mas não é o responsável pela chuva. Detectamos a sua existência, mas não é ele o mau da fita por assim dizer”.

Mas voltar a treinar atenua as dores musculares?

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Depende do tipo de treino que foi feito”, responde prontamente Miguel Gomes. 

O investigador e professor afirma que “existe alguma literatura que reporta que, ativando a zona afetada por um treino anterior que tenha provocado dores com volumes de treino baixo, poderá criar uma menor percepção de dor nessa mesma musculatura”.

Ou seja, se treinar um dia e depois treinar passados dois dias e fizer uma caminhada, sendo um treino de baixa intensidade, o aumento da temperatura e de vascularização naquela região poderá ajudar a reduzir a sensação de dor”, continua.

No entanto, conclui, “isso tem de ser feito em baixos volumes para não comprometer a recuperação que já está a ser feita a nível estrutural, muscular e energético”.

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Exercício Físico

22 Dez 2022 - 09:04

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